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Dois títulos de Nossa Senhora podemos associar e
invocar para meditarmos sobre o tema proposto para
este dia com Maria.
Um a ela foi dado por antiga devoção iniciada em
Portugal no verão de 1569. E, que fato provocou o
povo a voltar-se para a Mãe de Deus como a única
pessoa capaz de ser a portadora da Graça de Deus
a quem já desesperava por não ver mais os homens
como capazes para debelar a crise que chegou ao
clímax?
Naquela época, chegara a Peste Negra que, desde
o século XIV, com surtos violentos, tornou-se uma
feroz epidemia que levou à morte muitos milhares
de pessoas na Europa e, em Portugal, também não
deixou por menos.
O jovem rei D. Sebastião percebeu que, apesar
dos esforços realizados, os médicos portugueses
eram poucos para tão grande número de pessoas
contagiadas e solicitou auxílio à Espanha para
debelar o mal. Foi grande o trabalho realizado, mas
as providências, na visão do povo, não estavam
mostrando progresso.
Incentivados pelos Bispos locais, os padres
organizaram procissões de penitência; Nossa
Senhora foi eleita padroeira dos doentes, dos
recuperados e dos que ainda estavam sãos: deram-
lhe o título de Nossa Senhora da Saúde
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Em 1570, verificada a redução do número de mortes
e dos casos de contágio, o fato foi creditado às
graças alcançadas pela intercessão da Virgem
Maria. Escolheu-se, então, a data de 20/04/1570
para agradecer a Deus as graças recebidas através
de Maria.
Mas a devoção só tomou força em 1745, segundo
alguns, após a aparição da Virgem Santíssima a
uma jovenzinha, pastora, de nome Saudel, muito
pobre, a quem a Virgem solicitou a construção de
uma capela em honra de Nossa Senhora da Saúde.
Sua imagem representa a Virgem Santíssima com o
Menino ao colo, sobre um globo, no qual predomina
a água, onde há uma criança se banhando, prática
adotada pelos fiéis que, para curar os doentes
usavam (e ainda usam) as águas que brotam, até
hoje, embaixo da Capela, juntando a cura à água.
Outro título importante de Maria é o de Nossa
Senhora das Graças, devoção que se firmou após
as aparições, em 1830, que aconteceram à noviça
Catarina de Labouré, das Irmãs de Caridade, de
Paris. Na última aparição recebeu a instrução de
cunhar uma medalha como aparecia na visão –
hoje assim a conhecemos – a Medalha Milagrosa, e
ainda a promessa de que quem a usasse receberia
grandes graças: dois títulos, a mesma Senhora, o
mesmo e único Deus. Por ser reconhecida como
a despenseira das abundantes Graças divinas,
a Medianeira de todas as Graças, foi também
chamada da Tesoureira de Deus.
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A atualidade dessas devoções, tão intimamente
ligadas, se expressa no tema da Campanha da
Fraternidade deste ano de 2012, vinculado à Saúde
Pública.
Naquele longínquo século XIV, quando a Peste
Negra trouxe todos os seus horrores, e no
século XVI, quando atingiu Portugal, as causas
fundamentais daquele mal e da rápida propagação
foram exatamente a deficiência das ações de saúde
pública da época, a ignorância sobre a doença e a
forma de combatê-la.
Mas para nós, homens e mulheres de fé, nosso
olhar sobre aquele fato – e também sobre tantos
outros – quer reconhecer muito além do porquê;
quer saber do para quê; deve abrir-se para buscar
as lições que Deus – aquele que sabe extrair do mal
o bem – quer, mediante fatos naturais e pessoas,
mostrar como a Providência concorre para governar
o mundo. É dessa maneira que Deus opera tudo em
todos; por isso devemos entender que somos seus
instrumentos e sinais.
Na Quinta-feira Santa, o primeiro dia do Tríduo
Pascal, ao iniciarmos as celebrações da Páscoa
do Senhor, para anunciar sua Ressurreição,
usamos o cântico do Exultet, que fala, em uma
de suas estrofes, da “feliz culpa” do homem que
desobedeceu a Deus e, no seu egoísmo e soberba,
introduziu o Pecado no mundo.
E por que “feliz culpa”?
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Na verdade, o autor do cântico, como a Igreja,
também compreendeu, quis lembrar que sem
essa “feliz culpa” – ainda que maldita – os mistérios
da Encarnação e da Redenção, próprios da
economia da salvação, da libertação dos pecados,
não existiriam e não teriam sentido. Jesus, o
Cristo de Deus, não teria a Missão de, assumindo
nossa humanidade na Encarnação, resgatar-nos,
assumindo – como profetizado por Isaías nos
cânticos do Servo de Javé – a remissão de nossos
pecados; estaria dispensado de resgatar-nos para
Deus; não renovaria a Criação nem ofereceria
novamente a salvação a todos sem exceção; Maria
teria continuado sua vida anônima, não teria uma
conceição imaculada. Nós não estaríamos aqui a
louvá-la por seu Fiat.
Outras ações a Providência divina realizou e realiza
de menor alcance, mais localizadas, específicas,
mas todas da mesma natureza, no sentido de
conduzir homens e mulheres, individualmente ou
como comunidade, para a libertação dos pecados,
para a salvação, para a vida eterna.
Podemos, portanto, dizer feliz Peste Negra que
demonstrou o grau do valor de Maria Santíssima que
agiu para expor o poder de Deus na cura dos males
do corpo e da alma e se coloca, solidariamente,
também preocupada com a saúde de todos e como
Medianeira de todas as abundantes Graças que,
pela ação do Espírito Santo de Deus, chegam aos
homens e mulheres para apontar soluções.
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No Livro das Revelações 12, 1, o autor vê uma
figura como de uma mulher revestida de sol e
embaixo de seus pés a lua; na sua cabeça uma
coroa de doze estrelas. Que significará?
Pará nós representa, ao mesmo tempo, Maria e a
Igreja, porque ambas estão no mundo (representado
pelos elementos do Universo) revestidas de Deus (o
sol), refletindo, como farol, a presença de Deus no
Mundo; ambas são instrumentos do poder de Deus
sobre o mal e a maldade (a lua), poder que domina o
mal e dele extrai o bem.
A morte do pecado não prevalecerá para quem
tem fé, porque Maria, a cheia de graça, concebida
imaculada do pecado original, oferece, a quem
desejar, sua intercessão valorosa e valiosa. Através
da luz que reflete como espelho, dirige os raios da
Graça para a cura do corpo e, principalmente, da
alma. Mostra o Caminho que leva todos os povos,
representados pelas doze coroas, à Verdade e à
Vida.
Maria é exemplo para realizarmos nossa inserção na
Cruz de Cristo. Essa inserção não significa somente
o sofrimento em si, mas identifica no sofrimento o
despertar para o amor, para a solidariedade, para
a tolerância, para a reflexão sobre as carências
do próximo. Ao sofrer junto à Cruz de seu Filho,
demonstrou coragem, fortaleza, fé e discernimento
para inserir-se na Cruz; mais ainda: tomou-a como
sua cruz. Saibamos, olhando para Maria Santíssima,
ver na Cruz de Cristo o refúgio e a fonte da vida.
Autor: Diácono Jayme Lopes do Couto